Um filho segundo o coração de Deus
A relação do crente para com seus pais terrenos deve ser de respeito e honra
Estabelecer a autoridade dos pais sobre os filhos é a base para se construir uma sociedade saudável. Nos anos 1970 ocorreu uma quebra de paradigma nas relações familiares como consequência das mudanças provocadas pelas revoluções e movimentos sociais ocorridas na década anterior (revolução sexual, revolução feminista, Movimento Hippie etc.). Os idealizadores desses movimentos perceberam que só conseguiriam difundir seus valores e só seriam aceitos pela população em geral se rompessem com o modelo da família patriarcal, baseada na autoridade inquestionável do pai. Educadores começaram a argumentar que os pais não devem ser autoritários, pois isso pode traumatizar as crianças e impedir sua criatividade, dando a origem a adultos sem imaginação e com vidas frustradas. A partir desse momento, a criança passou a ser o centro das atenções da família, e a figura do pai autoritário começou a sair de moda.
Para alcançar esse objetivo, até a mídia participou do processo de desconstrução. Até aquela época, os seriados de televisão mostravam os pais com personalidades bem másculas. Veja o exemplo do seriado Bonanza (1959-1973), onde o núcleo da história girava em torno de um pai viúvo (Ben Cartwright) que liderava uma família formada por três filhos homens (Adam, Hoss e Joe) que viviam no velho oeste. Mais viril? Impossível! Lembra-se também de ter ouvido falar do seriado Papai sabe tudo (1954-1960)? O título dessa produção é autoexplicativo. Então, os ventos de mudança começam a soprar. Os novos seriados apresentam famílias onde o pai era inseguro e imaturo. A mulher passou a ser a referência de sabedoria e equilíbrio. Um exemplo clássico disso encontramos no desenho animado de maior longevidade da TV mundial, os Simpsons (1989, com 32 temporadas). Homer Simpson, o chefe da família, é impulsivo, imaturo, comilão, beberrão, e costuma tomar decisões desastrosas. Apesar de tradicionalmente trabalhar na usina nuclear onde passa a maior parte do tempo comendo e dormindo sem ter a menor ideia do que faz ali, ele assume vários empregos ao longo dos anos. Homer é um perigo financeiro para a família. Já a esposa e matriarca da família, Marge, é a sobriedade em pessoa. É uma mulher talentosa que enterrou a vida num relacionamento em que o marido é emocionalmente dependente. Esse perfil se reproduz em diversos seriados e desenhos atuais, mas não é o padrão bíblico para a estrutura familiar.
É por isso que pais que usam da autoridade para com os filhos são malvistos por uma sociedade que valoriza o politicamente correto. Os pais ditos modernos sonham em ser “amigos” dos filhos, e não gostam de ser classificados como autoritários. É natural que a criança embarque nessa onda. Hoje é comum os filhos chamarem os pais pelo primeiro nome e não darem satisfação do que fazem para eles. O jovem cristão não pode seguir esse modelo de comportamento.
Em nosso estudo, até agora vimos o padrão bíblico para o pai e a mãe, o marido e a esposa. Neste capítulo, queremos analisar e descobrir qual é o padrão divino para os filhos. Em outras palavras, qual é a obrigação dos filhos cristãos para com os pais terrenos? Basicamente, são duas atitudes: devem (1) obedecer e (2) honrar. Estudemos com carinho a orientação que o apóstolo Paulo dá aos filhos:
“Filhos, obedeçam a seus pais no Senhor, pois isso é justo. ‘Honra teu pai e tua mãe’, este é o primeiro mandamento com promessa: para que tudo te corra bem e tenhas longa vida sobre a Terra” (Efésios 6:1-3).
O conselho que Paulo dá aos jovens está em um contexto de orientações de como o crente deve manter relações interpessoais saudáveis. Em Efésios 5:21, o apóstolo havia dado um mandamento universal que deve nortear nossos relacionamentos: “Sujeitem-se uns aos outros, por temor a Cristo.” Como ele explicou, dar prioridade ao próximo na vida é uma das formas de o crente ficar “cheio do Espírito Santo” (vers. 18). Para deixar claro o que estava dizendo, ele começa a exemplificar os casos em que podemos nos sujeitar uns aos outros. Primeiro, o apóstolo aconselha a esposa a respeitar o marido; em seguida, diz que o homem deve amar a mulher como forma de cumprir esse mandamento. Na sequência, dirige agora a atenção aos filhos do casal e pede-lhes que aceitem as orientações dos pais. No versículo 4, Paulo mostra como os pais devem educar os filhos, e, por fim, aplica o princípio da sujeição ao relacionamento entre patrões e empregados. Ele induz os leitores a entender que as relações pessoais afetam a relação com Deus para o bem e para o mal.
“Obedecei”
Na passagem que estamos analisando, o termo “filhos” se refere à pessoa que tem pais, independentemente da idade. A relação matrimonial pode ser extinta pelo divórcio, mas a relação pais-filhos é ligada pelo sangue e não pode ser desfeita. Existem ex-esposas e ex-esposos, mas não existem ex-filhos ou ex-pais. Isso significa que não existe uma época em que os filhos não devam respeito aos pais. A palavra grega traduzida por “obedecer” (hypakouo) significa “prestar atenção”.[i] Esse termo é composto por duas palavras: hypo, “sob”, e akouo, “ouvir”; por isso, o sentido etimológico é de seguir uma ordem.
Se bem que os filhos devam obedecer aos pais, a figura paterna tem a função de encarnar a lei na vida da criança. A mãe representa o afeto, o carinho, a ternura. É na combinação dessas duas figuras que o filho aprende a obediência. Se a criança aprender a obedecer aos pais desde pequena, não terá dificuldade de reconhecer a autoridade dos professores, dos policiais, dos governantes, dos patrões, dos idosos etc. A lição de obediência deve ser aprendida nos primeiros anos de vida da criança. Se ela não aprender a obedecer à ordem dos pais nessa fase, dificilmente será um adolescente submisso aos pais. É natural um pouco de rebeldia nesse momento da vida que antecede a juventude. Contudo, a rebelião aberta é sinal de que o filho não aprendeu a obedecer.
A importância da criança ser disciplina pode se refletir na sua espiritualidade. A criança costuma, de forma inconsciente, transferir o relacionamento que tem com os pais à maneira como vê a Deus. Se os pais são permissivos e ausentes, a criança verá Deus como um grande Papai Noel, que existe apenas para atender-lhe aos caprichos. Se os pais foram muito duros e distantes, sem grandes manifestações de afeto, Deus parecerá assim para ela. Nosso relacionamento com os filhos afeta a relação deles com o Todo-Poderoso. Falando do impacto da disciplina na espiritualidade da criança, Ellen G. White escreveu que quando os pais educam e disciplinam os filhos, estão “implantado no coração [da criança] o respeito à autoridade divina, e a educação da família assemelhar-se-à ao ensino preparatório para a família dos Céus.”[ii]
Por essa razão, os israelitas eram instruídos a ser duros com os filhos rebeldes e a não tolerar o desrespeito para com os pais (Deuteronômio 21:18-21). É um princípio bíblico, de que “o filho que não aprende a obedecer e respeitar a autoridade dos pais se tornará um adulto de natureza rebelde.”[iii] Por isso, Ellen White explica que “ao respeitarem ou prestarem obediência aos pais, podem [os jovens e as crianças] aprender como respeitar e obedecer a seu Pai celestial.”[iv]
A obediência é a primeira e principal lição que os pais devem ensinar aos filhos. Ao contrário do que ensinam os educadores modernos, uma criança não é uma folha em branco. Ao nascer, herda traços de personalidade dos pais e sofre influência pré-natais como traumas, estresse da mãe, rejeição do feto etc. Mas para o crente, a principal influência que a criança traz para o mundo é o pecado. Ao contrário do que é ensinado por alguns, a criança não nasce boa, sendo futuramente corrompida pela sociedade. Ela nasce má. Ela é pecadora. É uma condição inata da natureza humana, de ter inclinação para o mal. É um ser totalmente egoísta e naturalmente rebelde. O coração de uma criança é como um jardim. Deixado à própria sorte, só vai desenvolver ervas daninhas. Ocasionalmente pode aparecer uma flor ou outra, mas no geral haverá apenas mato. Para que se torne belo, é preciso que alguém trate a terra, arranque a tiririca e cultive flores. Só assim o jardim merecerá esse nome. É por isso que o filho precisa da ação disciplinadora dos pais. A única maneira de aprender a obedecer é quando se é ensinado. É com os pais que ele aprende o que é certo e errado. O ser humano não nasce pronto, mas é construído.
“Honrar pai e mãe”
Além de dever obediência aos pais, os filhos lhes devem honra. Paulo, nessa passagem, faz direta referência aos quinto mandamento da Lei de Deus (Êxodo 20:12). Ellen G. White escreveu:
“Este é o primeiro mandamento com promessa. Recai sobre crianças e jovens, sobre os de meia-idade e os idosos. Não há na vida nenhum período em que os filhos fiquem escusados da honra aos pais. Esta solene obrigação recai sobre cada filho ou filha, e é uma das condições de prolongamento de sua vida na Terra que o Senhor dará aos fiéis.”[v]
A palavra grega tima, que é aqui traduzida por honra, tem o sentido de “contar como valioso, valorizar, reverenciar, honrar.”[vi] Quando Paulo diz que o filho deve obedecer aos pais, trata da reação deles aos progenitores. Agora, a honra devida a eles revela a atitude que a criança tem para com os pais.
John F. MacArthur comenta:
“Note que esta é a única afirmativa dos Dez Mandamentos relacionada a como a família deve funcionar. Por quê? Porque, dados os primeiros quatro [mandamentos], esse é suficiente para produzir relacionamentos corretos no lar e na sociedade. Essa é a chave para tudo, desde que uma pessoa cresça com um modelo de obediência e disciplina, e um sentido de reverência, temor e respeito por seus pais, tornando-se assim alguém que fará funcionar qualquer relacionamento humano de qualquer nível. A vida dessa pessoa, assim, prosperará.”[vii]
Os filhos têm a obrigação de honrar aos pais pela vida toda. A palavra honra, usada por Paulo aqui, já tinha sido usada pelo apóstolo para se referir a dinheiro e pagamento (1 Timóteo 5:17). Honrar os pais significa ser responsável por cuidar financeiramente deles na velhice também. John F. MacArthur explica:
“Então, a Lei do Antigo Testamento de se honrar os pais significa que durante todo o tempo que alguém viver deve respeitar e apoiar seus pais. Admitamos que, durante a primeira metade de nossa vida, os nossos pais nos dão tudo o que eles têm para suprir nossas necessidades de filhos. O outro lado da moeda é que, quando eles não puderem suprir nossas necessidades torna-se reponsabilidade nossa, como filhos, de cuidar deles. Verifica-se então a transição de gerações. E o ciclo nunca termina. É o modo pelo qual Deus produz famílias que permanecem juntas e transmitem a herança de um amor altruísta.”[viii]
Paulo usa palavras duras para com os filhos que não cuidam dos pais na velhice: “Se alguém não cuida de seus parentes, e especialmente dos de sua própria família, negou a fé e é pior que um descrente” (1 Timóteo 5:8).
O quinto mandamento tem uma promessa para quem o obedece: “Honra teu pai e tua mãe, a fim de que tenhas vida longa na terra que o Senhor teu Deus te dá” (Êxodo 20:12). Apesar de se referir primariamente à longevidade, a verdade é que não vale a pena viver muito sem qualidade de vida. Por isso, o mandamento não só fala de uma vida longa, mas também próspera. Faz sentido. Ao cuidar dos pais, o ser humano recebe a bênção divina, que o leva a ter uma vida de sucesso.
Beverly Lahaye conclui que:
“O ponto principal é que os filhos que honrarem seus pais durante toda a vida, até mesmo cuidando deles quando estiverem em idade avançada, serão honrados por Deus na qualidade e longevidade de sua própria vida.”[ix]
Referências bibliográficas:
[i] RIENECKER, Fritz, ROGERS, Cleon. Chave linguística do Novo Testamento grego. São Paulo: Vida Nova, 1995, p.400.
[ii] Orientação da criança, p. 224.
[iii] LAHAYE, Beverly; Apud in Os fundamentos para o século XXI. São Paulo, Hagnos, 2009, p. 592
[iv] Orientação da criança, p. 83.
[v] O lar adventista, p. 292.
[vi] RIENECKER, Op. Cit.
[vii] Apud in LAHAYE, Op. cit., p. 593.
[viii] Apud in LAHAYE, Op. cit., p. 593, 595.
[ix] LAHAYE, Op. Cit., p. 594