O projeto de Deus para a família
A família faz parte do projeto divino para tornar as pessoas felizes e realizadas
Na maioria das vezes, as civilizações desmoronam de dentro para fora. A degradação da estrutura social, política e econômica acontece quando a família tradicional entra em decadência. A condição de um país reflete a situação de suas famílias. Esse conceito é defendido por Joseph Daniel Unwin (1895-1936), antropólogo social inglês. Em sua magna obra, Sex and Culture (1934), ele estudou 80 tribos primitivas e seis civilizações conhecidas ao longo de milênios até descobrir um padrão social. Ele percebeu que havia uma relação positiva entre as conquistas culturais de um povo e a restrição sexual que praticam.
Para o prof. Unwin, quanto mais um povo prospera economicamente, mais ele se torna liberal em relação à moralidade. Com o tempo, a sociedade começa a se deteriorar, perde o vigor econômico e o propósito. O efeito é irreversível.
Quando observamos a corrosão da estrutura familiar atual podemos nos questionar sobre a exatidão dos estudos desse pesquisador. A sociedade ocidental está em perigo. Qual seria a solução para essa crise generalizada? A Bíblia, a Palavra de Deus, nos apresenta o projeto divino para a família. A força da estrutura familiar é proporcional à forma como ela se alinha com o projeto divino.
Baseado nas pesquisas do prof. Unwin, o pesquisador Carl Wilson concentrou seu foco de estudo nas civilizações grega e romana. Em sua Our Dance Has Turned to Death [Nossa dança se transformou em morte], ele estabeleceu um roteiro que descreve a decadência dessas civilizações, o qual poderia servir de reflexão para a sociedade ocidental de hoje. O princípio do fim ocorre quando a sociedade começa a questionar a autoridade espiritual masculina no lar e a família começa a adotar uma visão humanista. Com a prosperidade econômica, o pai, ocupado com o aumento das responsabilidades, negligencia o papel de sacerdote da família. Ganhar mais e ter mais conforto torna-se mais importante do que o desenvolvimento moral e espiritual dos filhos. Deus se torna uma realidade distante. As pessoas não deixam de crer nEle, mas vivem como se Ele não existisse.
Em um segundo momento, o chefe da família começa a negligenciá-la para buscar riquezas, poder e erudição. Principia-se um processo de egocentrismo, em que o pai passa a se preocupar mais com o próprio prazer e bem-estar do que com os da família. Ele negligencia o dever de dar afeto aos familiares e começa a achar que a sua parte é só garantir o conforto da família.
Desapegados das próprias famílias, os homens se dedicam a negócios ou à guerra. Eles negligenciam a intimidade com a esposa e se envolvem com outras mulheres ou se aventuram em relacionamentos homossexuais. A sociedade começa a viver um duplo padrão moral —um para as relações familiares e outro para as relações sociais.
Abandonadas pelo marido, as mulheres começam a questionar o próprio papel como dona de casa e mãe. Emocionalmente fragilizadas e abandonadas, elas se revoltam. Em busca de sucesso e reconhecimento profissional, começam a fazer as mesmas coisas que veem os maridos fazendo. Buscam sexo fora do casamento. A sociedade passa a ver o sexo separado do amor, e a busca do prazer se torna um fim em si mesma. Pela pressão da nova moralidade, as leis são alteradas para facilitar o divórcio.
A mudança nas relações dentro da família começa a afetar as crianças. Com pais ausentes, que acreditam que os bens materiais podem substituir o afeto, os filhos perdem a referência de autoridade e começam a se rebelar. Os pais passam a competir por dinheiro, destaque profissional e posição social, além de disputar o afeto dos filhos. O número de divórcios e novos casamentos aumenta. Surgem novas estruturas familiares além da família nuclear (a tradicional, formada por pai, mãe e filhos). Os filhos passam a ser catalogados como “os meus”, “os seus” e “os nossos”. “Os meus” são aqueles que vêm do meu casamento anterior; “os seus” são os que o cônjuge traz do casamento anterior dele, e “os nossos” são as crianças que nascem da nova família. Assim, passam a existir irmãos biológicos, irmãos de consideração e os meios-irmãos.
Começam a surgir famílias com diversas configurações. Isso impacta o sentimento de segurança das crianças e elas se revoltam, ficam entediadas e frustradas. A homossexualidade é aceita socialmente, e, em muitos casos, substitui os relacionamentos familiares tradicionais.
Neste ponto, a quebra da unidade familiar é seguida pela desestruturação da sociedade. O aborto é aceito como método contraceptivo. Filhos são indesejados, abandonados, molestados e indisciplinados. A taxa de natalidade cai, pois existe uma pressão social para não se ter filhos. Começa a anarquia social.
Agora, o individualismo egoísta cresce, fragmentando a sociedade em pequenos grupos. Surgem as tribos urbanas, ligadas por algum interesse em comum. Os conflitos internos entre esses grupos enfraquecem a nação. Com a baixa taxa de natalidade e o baixo desenvolvimento econômico, a sociedade envelhece. Ela se torna mais vulnerável a inimigos.
A nação perde a esperança à medida que a autoridade paterna se dilui. Os princípios éticos não existem mais. A economia entra em colapso. Enquanto a família nuclear predominava, a poupança e o investimento em processos produtivos aumentavam, mas com a sua desestruturação as pessoas se tornam pródigas (gastam mais) e a economia entra em crise. Agora surgem dois caminhos: ou a nação aceita um ditador que prometa resolver os problemas nacionais, ou é invadida por outros povos. Um ciclo civilizatório se fecha.
Não é preciso ser um sociólogo para perceber que esse processo descreve a realidade da atual sociedade ocidental. Na Europa, esse processo está criando uma sociedade pós-cristã por um lado e islamizada por outro. Com o crescimento de imigrantes das antigas colônias europeias, igrejas estão se tornando museus ou sendo destruídas para a construção de mesquitas. Se a sociedade ocidental quiser sobreviver ao século 21, deve retornar ao projeto divino para a família.[i]
O projeto de Deus
Satanás, o inimigo de nossa alma, sabe que se destruir o projeto divino para a família, poderá destruir a sociedade e neutralizar a influência da igreja. Sabemos disso porque o primeiro ataque à humanidade foi para desestruturar os relacionamentos, tanto no sentido vertical quanto no horizontal. Na direção vertical, afetou nosso relacionamento com Deus; no horizontal, com nosso próximo.
Uma das formas de eliminar o padrão bíblico para a família é diminuir a distinção da identidade sexual originalmente projetada por Deus. A mídia, apoiada pelo movimento feminista moderno, tem criado um discurso unificado a favor da igualdade entre homem e mulher. As mulheres são estimuladas a fazer trabalhos que são tradicionalmente masculinos. Em um mundo ainda dominado por homens, as mulheres sofrem pressão ideológica para agir como agem. Muitas perdem a noção de feminilidade apenas para atender a essa agenda.
Para evitar esse erro é preciso recorrer às Escrituras para definir a masculinidade e a feminilidade segundo o padrão divino. Qualquer estudo sobre a relação homem-mulher no Antigo Testamento (AT) deve começar com o relato da Criação. A criação do ser humano é narrada duas vezes: nos capítulos 1 e 2 de Gênesis. Percebe-se que Moisés tem um objetivo diferente para cada relato. No primeiro, ele foca no fato de que o ser humano, homem e mulher, são o auge da criação, uma vez que foram criados à imagem e semelhança de Deus. Assim, nessa condição, foram postos como governantes do planeta. Já no segundo relato, há outro objetivo — definir a relação que deve existir entre eles.
Gênesis 1
Os dois primeiros capítulos de Gênesis revelam a unidade do casal humano segundo a vontade de Deus. Homem e mulher são criados juntos e formados à imagem de Deus. Ambos devem governar sobre a criação.
No capítulo 1, o autor faz uma clara distinção entre o ser humano e o resto da criação. O vers. 26 diz que ele foi criado a partir de uma decisão de Deus: “Façamos o homem”. Também foi criado com uma capacidade especial de se relacionar com Deus: “À nossa imagem, conforme a nossa semelhança”. Recebeu uma função específica: “Domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais grandes de toda a Terra e sobre todos os pequenos animais que se movem rente ao chão.” O versículo seguinte resume tudo nestas palavras: “Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.”
Mary Evans comenta:
“Assim, Gênesis 1 nos conta que a diferença entre os sexos existiu desde o começo, inerente na ideia do Homem; a criação da humanidade como macho e fêmea fez parte integrante da decisão de Deus ao fazer o Homem. Duas conclusões complementares podem ser extraídas disso: primeiro, ‘a ideia do homem [...] não encontra seu significado pleno apenas no macho, mas no homem e na mulher.’ E, segundo, que a personalidade humana deve ser expressa na forma masculina ou na forma feminina. ‘Não existe um ser humano à parte do homem ou da mulher’.”[ii]
Apesar da diferenciação de gênero narrada em Gênesis 1, tanto o homem quanto a mulher são postos em condição de igualdade. Ninguém é superior a ninguém. Ambos são criados à imagem e semelhança de Deus, e a ambos foi dada autoridade de governar a Terra. Evans comenta que “não podemos encontrar aqui nenhuma indicação de subordinação de um sexo ao outro.”[iii]
Sobre essa igualdade, Ellen G. White comenta:
“Ao criar Eva, Deus pretendia que ela não fosse inferior ou superior ao homem, mas em todas as coisas lhe fosse igual. O santo par não devia ter nenhum interesse independente um do outro; e não obstante cada um possuía individualidade de pensamento e de ação.”[iv]
Alguns comentaristas afirmam que quando Deus disse: “Façamos o homem” (Gênesis 1:26), Ele estava recorrendo a um artifício linguístico conhecido como “plural de majestade”. Nesse caso, o rei fala na primeira pessoa do plural (“nós”). O papa costuma usar esse recurso quando se expressa com autoridade de cargo (ex catedra), pois acredita que ele e o Espírito Santo falam juntos. Só que esse recurso era desconhecido no tempo de Moisés. O faraó fala a José na primeira pessoa: “Eu sou o faraó” (Gênesis 41:44) e não “nós somos o faraó”. Por que Deus usou o verbo na primeira pessoa do plural, então? Isso revela que dentro da divindade há uma unidade composta. Ela revela a triunidade de Deus, ou seja, três pessoas iguais que formam uma unidade. Esse deveria ser um modelo para o ser humano. Homem e mulher são pessoas iguais, mas com personalidades distintas.[v]
A humanidade deveria povoar o planeta, como foi ordenado aos demais seres vivos da Terra, mas também governar sobre a criação. Uma leitura superficial pode dar a entender que o ser humano recebeu autorização para “saquear” a natureza, justificando a exploração e o desastre ecológico que vivemos hoje. A intenção divina não era essa. Deus delegou à humanidade a Sua própria autoridade real sobre a criação. Como ser criado à Sua imagem, a humanidade deveria cuidar da Terra da mesma forma como Deus faz. Se agirmos como tiranos sobre a criação, negaremos e destruiremos a imagem de Deus em nós. Observe como o salmista descreve o modo de Deus governar a natureza: “O Senhor é misericordioso e compassivo, paciente e transbordante de amor. O Senhor é bom para todos; a Sua compaixão alcança todas as Suas criaturas” (Salmo 145:8 e 9). É dessa forma que Ele espera que a humanidade também trate a natureza.
O ideal de Deus é que homem e mulher conquistem o mundo. Por isso, nada há de errado na mulher que sonha ser uma grande executiva, médica, empresária, ou seguir qualquer outra carreira. Ela foi feita à imagem de Deus, tal como o homem, mas há uma distinção entre os dois, que deve ser observada.
Gênesis 2
Se no capítulo 1 temos a revelação de que homens e mulheres são iguais em autoridade, no capítulo 2 encontramos o papel que cada gênero exerce dentro dessa relação. Em Gênesis 2, Deus estabelece que o homem deve exercer a liderança dentro da relação familiar. Veja como Ele estabeleceu esse princípio:
“Então o Senhor Deus fez o homem cair em profundo sono e, enquanto este dormia, tirou-lhe uma das costelas, fechando o lugar com carne. Com a costela que havia tirado do homem, o Senhor Deus fez uma mulher e a trouxe a ele. Disse então o homem: ‘Esta, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela será chamada mulher, porque do homem foi tirada’. Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e eles se tornarão uma só carne” (Gênesis 2:21-24).
Ellen White comenta sobre o fato de a mulher ter sido tirada da costela de Adão:
“Eva foi criada de uma costela tirada do lado de Adão, significando que não o deveria dominar, como a cabeça, nem ser pisada sob os pés como se fosse inferior, mas estar a seu lado como sua igual, e ser amada e protegida por ele.”[vi]
O capítulo 2 sugere a liderança do homem. Deus não chamou a raça humana de “mulher”, mas de “homem”. Apesar de iguais, o texto bíblico tem o cuidado de demonstrar que cada um deles exerce uma função diferente na relação familiar. Deus fez o homem como cabeça, e a mulher como auxiliadora. O homem tem a responsabilidade de liderar a relação rumo à glória de Deus. Ele é chamado para conduzir com o auxílio e aconselhamento da mulher (1 Coríntios 11:3).
No começo, Deus pediu a Adão que desse nome a cada animal. Através dessa atividade, aprendeu que nenhuma criatura compartilhava da mesma natureza dele. Assim, percebe que está sozinho. Em Gênesis 2:18, Deus faz uma promessa: “[..] far-lhe-ei uma ajudadora, que lhe seja idônea.” Beverly LaHaye comenta que “o termo hebraico ezer, traduzido por ‘ajudadora’, significa ‘um auxiliar, ajuda, suporte’. Essa mulher deveria ser ‘idônea para ele’ no sentido de que apenas ela, de todas as criaturas, compartilhava da natureza de Adão.”[vii]
Ela continua: “Ele [Adão] deve ter ficado maravilhado com a sua beleza e se impressionado quando percebe que essa nova criatura era semelhante a ele. Tal criatura verdadeiramente vinha ao encontro de sua necessidade de companhia. Ela atendia a seu desejo mais profundo.”[viii]
A ênfase do capítulo todo é que o homem só está completo quando encontra uma mulher para ser a sua companheira. Quando Adão se encontra com Eva, trata-a como alguém igual a ele, identifica-se com ela e não a vê como alguém diferente ou inferior. A mulher foi criada da costela de Adão, por meio de um ato direto de Deus. Seu primeiro contato foi com o Criador. A mulher conheceu a Deus antes de conhecer ao parceiro, o homem. Eva deve a sua vida à Divindade, não a Adão.
É preciso resgatar o sentido bíblico de auxiliador, ajudador. Das 19 vezes que a palavra em hebraico foi usada no AT, uma está em uma pergunta, e três estão relacionadas com o homem (Isaías 30:5; Ezequiel 12:14; Deuteronômio 11:34). Nas 15 vezes restantes, foi aplicada em relação a Deus socorrer o Seu povo em momentos de crise (Êxodo 18:4; Salmo 121:2 etc.). Em nenhum contexto essa palavra tem o sentido de sujeição ou de subordinação servil. O texto bíblico afirma que a mulher deveria ser uma auxiliadora idônea, digna (Gênesis 2:20).
Quando Deus criou uma ajudadora para o homem, não procurou torná-la um ser totalmente igual ao homem, mas até certo ponto diferente. Se ela fosse exatamente igual a ele, sua solidão não seria eliminada porque não haveria complementação, mas um mero olhar no espelho para ver a própria imagem. O homem reconheceria no outro ser apenas a própria pessoa. Por outro lado, se a mulher fosse totalmente diferente, um ser de outra ordem, a solidão também não seria eliminada. O homem seria confrontado pelo outro, mas isso não geraria identidade ou empatia. Seria um encontro semelhante ao que ocorre entre a humanidade e a natureza. Essa companheira não compartilharia da mesma esfera de existência. Para que seja algo bom, o homem precisa de um ser semelhante a ele e ao mesmo tempo diferente, de tal modo que nele reconheça não só a própria pessoa, mas algo além. Precisa ver nesse outro ser um “você” tão certamente quanto ele é um “Eu”; do mesmo modo, o homem é para o outro ser um “você” tão certamente quanto este é um “Eu”.[ix]
Small conclui que ao formar o primeiro casal, Deus criou o homem com um vazio do tamanho de uma mulher. É um vazio que nenhum dos animais, nem mesmo outro homem, poderia preencher.[x]
Os capítulos 1 ou 2 de Gênesis não indicam que a mulher tem a imagem de Deus em si de uma forma diferente da que ocorre com o homem. Para o texto bíblico, a Humanidade é composta por duas partes — homem e mulher. A plenitude da existência só pode ser vivida quando homem e mulher cooperarem um com o outro.[xi]
O texto que estamos analisando explica o motivo que leva o homem e a mulher a se casarem e formar uma família: “Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e eles se tornarão uma só carne” (Gênesis 2:24). A instituição do casamento não é o resultado da tradição, mas é o projeto soberano de Deus.
Referências bibliográficas
[i] LAHAYE, Beverly. A família cristã no século XXI, Apud in Os fundamentos para o século XXI, p. 569-571.
[ii] EVANS, Mary. A mulher na Bíblia. São Paulo: ABU, 1986, p. 6.
[iii] EVANS, Op. Cit., p. 7.
[iv] Testemunhos seletos, vol. 1, p. 412.
[v] BROWN, Colin (Ed.) em Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, vol. 3, p. 217.
[vi] LAHAYE, B. Op. Cit., p. 574.
[vii] Patriarcas e profetas, p. 46.
[viii] LAHAYE, B. Op. Cit.
[ix] VON ALLMEN, J. J. (Ed.) Vocabulário bíblico. São Paulo: ASTE, 1972, p. 263 (artigo Mulher).
[x] BROWN, Op. Cit., p. 217.
[xi] EVANS, Op. Cit., pp. 9-12.